terça-feira, 13 de setembro de 2011

O CERN não anda à ‘caça dos gambozinos’ (Físico teórico John Ellis em entrevista ao «Ciência Hoje»)


John Ellis é um dos físicos teóricos mais reputados do globo. Veio da Universidade de Cambridge e, após ter estado uns anos nos Estados Unidos, já está na Organização Europeia para a Física de Partículas (CERN) desde 1973. Poderemos dizer que algumas das grandes teorias da Física lhe foram atribuídas e parte das experiências a decorrer no Laboratório de Física de Partículas têm ‘dedo’ seu.

 As suas actividades são bastante abrangentes mas é especialmente conhecido por ter ajudado Dimitri Nanopoulos a unificar a «Teoria das cordas», com o modelo padrão, por ter inventado o «Diagrama Pinguim» (um tipo de diagrama de Feynman) e ter criado a «Teoria do Todo» (ToE – Theory of Everything).

 Para o físico britânico, o Grande Colisor de Hadrões (LHC) do CERN é como se fosse “o maior microscópio já construído” e, com ele, os cientistas vão poder examinar partículas de matéria e talvez conseguir “reproduzir o início do universo” e explicá-lo. Com os seus colegas do CERN trabalha actualmente na experiência ATLAS – uma das maiores do LHC.
Ciência Hoje (C.H.): Em que tipo de projectos está actualmente envolvido no CERN?
John Ellis (J.E.): Bem... Sou físico teórico e, sendo assim, desenvolvo teorias para as experiências, ou seja, alguns dos projectos a decorrer actualmente no CERN tentam atestar essas ideias. Algumas das teorias preditas já foram aqui corroboradas. Neste momento, colaboro na experiência ATLAS mas não faço experiências eu próprio, apenas dou sugestões.

C.H: É considerado um dos maiores físicos teóricos do mundo. O que fez para conseguir tal lugar no planeta?
 J.E.: Não sei bem, na verdade (risos)! Durante a minha carreira houve vários acontecimentos na área da Física que abriram novos horizontes – isto voltando aos anos 1970 –, mas o LHC abriu portas a um mundo completamente diferente. Costumo dizer que sempre tive muita sorte por estar no sítio certo, na hora certa. Propus algumas ideias, tais como procurarem o Bosão de Higgs, sugeri a forma de encontrar os gluões e que os quarks estariam na constituição da matéria nuclear, publiquei trabalhos sobre as diferenças entre matéria e anti-matéria, fui uma das primeiras pessoas a explorar a relação entre física de partículas e cosmologia e a natureza da matéria negra. Devo dizer que, durante os últimos 30 anos, a Física de Partículas encontrou modelos mais constantes e estou contente por ter estado entre os que ajudaram a que isto acontecesse.


Cientista responsável por ter desenvolvido a «Teoria do Todo».
C.H.: Existem imensas suposições, tal como a possibilidade de encontrar o Bóson de Higgs, a partícula que poderá explicar a origem do universo, mas não se sabe se existe. Há ainda o CAST, uma secção que se dedica à procura dos axiões, partículas que também não se sabe se existem, apenas se supõe que estejam retidas no interior do sol. O CERN é uma estrutura imensa, cujas experiências englobam milhares de pessoas, verbas, tempo e tecnologia. Não será um investimento demasiado grande para caçar gambozinos?
 J.E.: Não trabalhamos apenas em teorias… (risos) As pessoas desenvolvem diferentes projectos e só aqui quase dez mil cientistas de todo o mundo participam nessas experiências, para além de contarmos com o apoio de grandes universidades, como o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), entre outras. Se pensarmos que existem sete mil milhões de pessoas no planeta e algumas centenas se dedicam à Física fundamental, isto é uma pessoa num milhão, não é muito para descobrir a natureza, de que é feita a matéria, como o universo se tornou naquilo que vemos, etc. A Física estuda o universo, mas pelo caminho trouxemos inovação, desenvolvemos novas tecnologias. Por exemplo, a World Wide Web foi criada aqui… Há 29 anos não podíamos partilhar dados e, depois disso, revolucionámos a economia mundial. Ajudamos a melhorar tecnologias em Medicina com efeitos directos na saúde… Podemos esperar que o LHC nos faculte uma resposta mas não sabemos qual será.

 C.H.: O que o entusiasma mais na Física?
 J.E.: Não sabemos se algumas das teorias estão certas ou não, mas uma das coisas mais excitantes do LHC é podermos descobrir se as grandes ideias que giram em torno do modelo padrão estão certas ou não.


C.H.: Algumas das suas teorias estão aplicadas em projectos a decorrer, neste momento, em pleno CERN. Fale-me um pouco delas.
 J.E.: A experiência ATLAS e a CMS são duas das maiores que se dedicam a procurar o Bosão de Higgs, a simetria e talvez a matéria negra. O ‘paper’ que estou a escrever neste momento, com alguns colegas, interpreta alguns dados do software que analisa o LHC e a sua simetria.

C.H.: O LHCb dedica-se à procura da anti-matéria. Por que lhe conferem tanta importância?
 J.E.: A existência da anti-matéria foi ‘teoricamente predita’ no início dos anos 20 e muito depois foi encontrada nos raios cósmicos. Desde então, tem sido um instrumento para chegar a diferentes respostas, inclusivamente, na medicina. Por exemplo, em técnicas de diagnóstico médico, através de tomografias, a emissão de positrões é baseada em partículas de anti-matéria mas é também usada em ciência material e tornou-se mesmo uma parte do nosso dia-a-dia. A anti-matéria será exactamente como a matéria, mas oposta a esta. Terá a mesma massa com carga oposta e comportam-se de forma diferente e o objectivo do LHCb é compreendê-la melhor.

C.H.: O que aconteceriam se matéria e anti-matéria voltassem a existir nas mesmas quantidades?
J.E.: Caso isto acontecesse veríamos partículas de matéria e anti-matéria a colidirem de forma a produzirem energia. Se, por exemplo, a Lua fosse feita de anti-matéria, explodiria, sim. Portanto, a Lua não é feita de anti-matéria.

CH.: E caso o LHC negue algumas das teorias já assumidas como verdadeiras…?
 J.E.: Precisamos de algumas pistas para nos dirigirmos sem seguirmos o modelo padrão e o LHC poderá refutar ou confirmar algumas. Muitos colegas nossos têm ideias potencialmente interessantes. Por exemplo, alguns pensam que o Bosão de Higgs pode ser recriado em espaço extra-dimensional... Seria interessante... Não sei... Talvez....



2011-09-12
Por Marlene Moura (Texto e Fotos) em Genebra com o apoio da Ciência Viva

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